sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A MENINA DOENTE

Naquele dia, a menina amanheceu com um gosto amargo na boca, que não melhorou nem com o café adoçado de rapadura. Seus olhos negros de cadela pedinte entregaram seu estado e a mãe, que cuidava das fezes do mais moço, sentiu como que uma revelação: “essa menina está morrendo”.

A mais velha, seus nove anos e ainda sem pedras no peito, ficou encarregada de levá-la ao médico. Colocou o vestido vermelho de tecido sintético para parecer mais adulta, batom forte e umas sandálias de salto que a tornavam a caricatura viva de uma prostituta esquecida. A menina, que já passava dos sete, apesar de aparentar dois anos menos, procurou no fundo do baú até encontrar o vestido branco de renda e tule encardido com que fora batizada há dois anos pelo padre Anatólio. O mesmo que costumava amanhecer sem camisas, nem ele sabia como, na cama ardente de Luanda, a dona da pensão.

Nos caminhos do vale se foram, como almas perdidas na luz diáfana daquela hora da manhã. A mãe, que as acompanhava da janela da casa, observava aquela menina que vivia doente, como a figura de um anjo permanentemente ferido, se perder na poeira vermelha e desejava, com toda a misericórdia daquele coração de mãe, que ela tivesse nascido morta.

2 comentários:

Cristina Medeiros disse...

Adorei... acho que dava um curta bacana... pena que eu não sei fazer cinema... beijinhos e saudades da amiga Cris

Leo Paixão disse...

eu gosto bastante deste. é meio lispectoriano...